A adaptação para morar em Portugal

Língua “igual”, cultura parecida, uma história em comum. Tudo isso faz da adaptação para morar em Portugal muito mais fácil, não é verdade? Sim e não. Vamos falar um pouco mais sobre isso e explicar algumas das vantagens e desafios de mudar para terras lusitanas.

“Como foi sua adaptação aí?”. Essa é uma das perguntas que mais recebo nas redes sociais. Vou falar de como foi nossa aptação mas, como sempre digo, é tudo uma questão muito pessoal, que vai ser impactada pelo estilo de vida no Brasil, perfil de quem imigra e até mesmo pela cidade na qual escolheu morar. Por exemplo, ao falar de custo de vida, alguém que muda de São Paulo para cá sofre muito menos impacto que alguém que muda de Fortaleza, onde o custo de vida é bem menor.

Língua

Não, não falamos a mesma língua. É parecida, sim, mas existem diversas peculiaridades tanto quanto a gramática quando a pronúncia. Lógico, é muito mais fácil de compreender que uma pessoa que mal fala inglês migrar para Boston, por exemplo, mas, acredite, entender um português falando rápido – ou um dos Açores – pode não ser tão simples quanto imagina. Na verdade eles nos entendem melhor, foram anos de novelas brasileiras, música brasileira e, vejam só, mais recentemente de youtubers brasileiros. Eu falo bastante com portugueses o dia todo, seja para buscar imóveis para meus clientes, seja para negociar ou expandir meu network, já não tenho problemas com a língua, mas levamos alguns meses para educar o ouvido.

Segurança

Quando chegamos alugamos um carro para conhecer a cidade, os arredores e comprar as coisas basicas. Eu entrava no carro assustada, com aquela coisa de “tranca a porta, dá a partida e colocamos o cinto em movimento, não vamos dar mole para bandido”. Levou um tempo até perceber que posso andar com o celular na rua, entrar no carro sem medo, dirigir de janela aberta ou deixar a bicicleta encostada no parque enquanto leio um livro. Exigiu uma reeducação para não me assustar quando ouço uma moto – no Brasil isso é impossível – e aceitar que estou morando em um dos países mais seguros do mundo. Essa é uma adaptação boa, não é verdade?

Dinâmica de vida e velocidade

Portugueses são naturalmente mais lentos. Eles tem ritmo próprio, fruto de uma cultura que aprecia a qualidade de vida. Tomar um café em uma pastelaria vendo o tempo passar, caminhar sem pressa, levar dias e dias para responder um e-mail, são todas características comuns entre a maioria deles. Esqueça aquela coisa brasileira de deixar tudo em cima da hora e procurar serviços de “urgência”. Vão quebrar você aqui. Contratar um serviço de urgência – como um pixileiro (encanador) ou um chaveiro – pode lhe trazer surpresas desagradáveis. Aquilo de gente correndo pelos corredores de shoppings, buzinas histéricas no trânsito, gente querendo resposta de proposta comerciais no mesmo dia simplesmente não fazem parte da cultura local. Quando chegamos, ao reclamar disso, meu marido ouviu de um português a seguinte frase: “vocês brasileiros são curiosos, vem para Portugal buscando mais qualidade de vida, mais tranquilidade, quando chegam aqui reclamam porque a encontraram”.

Serviços públicos

Outro ponto bem chocante. Isso vai variar de região para região mais no âmbito geral a saúde pública de Portugal é tão boa quanto parte da privada no Brasil. Um acordo entre os países faz com que qualquer brasileiro com posse do PB4 (documento retirado no Brasil) tenha direito a ser atendido no serviço de saúde português. Algumas coisas impressionam, como o fato de você poder fazer uma pré-consulta digital, receber as orientações para retirada do medicamento nas farmácias (muitas vezes gratuitamente) e, no outro dia, receber uma ligação de acompanhamento para saberem se melhorou e, caso contrário, encaminharem para o hospital já com hora marcada. Nós temos seguro saúde (plano de saúde aqui é como se fosse um clube de descontos), que é coparticipado e nos dá um grande desconto em médicos e exames, cobrindo emergências e eventualidades mais graves. Pagamos, por ele, cerca de 500 Reais por mês (100 Euros), que é 8x menos do que pagavamos no Brasil. Necessidade? Bom, é interessante quando precisamos fazer exames sem entrar em filas de espera – que podem ser longas.

Escola pública também chama atenção. Minha filha estuda em uma, a cerca de 300m de casa. Entra de 8h45, saí de 17h30, pode estender até 19h30 no que chamam de ATL. Almoça na escola, tem aula de educação física, artes e jogos de tabuleiro. Logo terá acesso a línguas, artes cênicas e música. Ganhou da escola um notebook, com headphones e modem (com 10gb mês) – que terá que devolver em algum momento. O custo? Apenas o almoço, que pagamos de acordo com o escalão (nível de renda familiar). O material é gratuíto, de livros a apostilas, mas optamos por comprar mochila, cadernos, lápis e outras coisas para não esperar (e porque não achamos justo, já que podíamos pagar por isso).

Aqui paga-se bastante imposto e o português, que faz questão de centavos, faz por onde cobrar o retorno dele. As estradas são ótimas, o asfalto é bom, as ruas são limpas e bem arborizadas. No geral o serviço público funciona, apesar de ser muito burocrático.

Estilo de vida

Sabe aquela vida de ter empregada doméstica? Esqueça. Diarista? Esqueça também. Pedir iFood todo dia? Esqueça. Sair para comer fora 3x por semana? Esqueça. Barzinho 3x por semana? Nem de longe. Entendam, é preciso saber que nada disso cabe na realidade da maioria dos imigrantes. O custo hora homem aqui é caro. Uma diariasta pode custa 100 Euros. Vai ter que aprender a lavar o próprio banheiro, lavar e estender roupa, fazer pequenos reparos e se tornar mais caseiros. Isso não é um grande desafio para a maioria das pessoas que vi imigrar para cá. Vi pouca gente vindo atrás de vida noturna agitada e na manutenção do estilo de vida que tinham no Brasil. A maioria das pessoas realmente vem em busca de uma vida nova e logo adaptam-se ao modo de vida português, que não é nada consumista, completamente oposto ao americano – em muitas casas se vêem móveis com décadas de existência e, acreditem ou não, TV de tubo.

É preciso lembrar que a maioria dos imigrantes começam a vida do zero aqui, trabalhando em lojas, supermercado, fábrias e afins. Raramente começam em um cargo de gerência ou de comando. São salários mais baixos, que não permitem luxo, mas que, somados ao serviços públicos de qualidade, garantem uma vida digna.

Nós, por exemplo, tomamos como hábito comprar roupas em lojas baratas como a Primark, correr atrás de promoções e optar por produtos de linha branca nos mercados – que são excelentes.

Trabalho e emprego

Ao lado de minha cada tem um talho (açougue) de médio porte. No Brasil haveriam, em média, 6 pessoas por turno trabalhando em algo assim. Aqui tem 2. A mesma pessoa que corta a carne cuida do caixa, a outra, que também cuida da carne, é responsável pela limpeza e pelas prateleiras. Aqui não tem gente batendo cabeça. É comum entrar em uma pastelaria com 10 mesas e ter uma única pessoa fazendo tudo. E isso não causa demora? Sim, mas eles lidam bem com isso. No geral o empregado portguês é tratado de forma justa, sem exploração e sem exageros. Contam com décimo terceiro e décimo quarto salário e alguns outros benefícios que vão de desenvolvimento obrigatório a seguro desemprego. Quando desempregados são estimulados a fazer cursos técnicos e recebem dinheiro para isso. A oferta de emprego, braçal principalmente, é extensa e fica parado quem quer (apesar do trabalho em fábricas, por exemplo, ser muito desgastante principalmente devido aos turnos noturnos).

É preciso entender que se não vier com emprego, for altamente qualificado e tiver feito a validação do diploma dificilmente irá manter o mesmo padrão de emprego do Brasil, possívelmente vai ter que pegar no pesado – o que até a terceira idade faz por aqui.

Para quem quer saber mais sobre o mercado de emprego aqui eu fiz esse post, só clicar.

Custo de vida

De novo: vai variar com a qualidade de vida que a pessoa tem/tinha no Brasil. Quando nos mudamos para cá nosso custo de vida reduziu em 40%. Sem empregeda doméstica, com uma redução agressiva nos custos de saúde e sem os custos de escola houve uma economia bem fácil de perceber.

A princípio é natural fazer conversão de tudo que se compra aqui e ficar “assustado”, mas isso só acontece até começar a receber em Euro, há uma mudança de mentalidade e você começa a entender que poder de compra é diferente de custo. Vou explicar, o salário mínimo aqui é 705 Euros, o que daria 3 912,47 Reais. Pense em gasolina, aqui o litro está cerca de 2 Euros, por conta da guerra, o que daria 11 Reais. Puxa, 11 Reais o litro da gasolina, que absurdo. Vamos para a conta de padaria. Encher um tanque de 40 litros custaria 80 Euros, ou seja, 440 Reais. No Brasil encher o mesmo tanque custaria 260 Reais.

Mas… encher o tanque aqui significa gastar pouco mais de 11% do salário mínimo, encher o tanque no Brasil custa quase 23% do salário mínimo. E olhe que peguei uma referência mais polêmica.

Um casal gasta, em média 25% de um salário mínimo com mercado mensalmente. No Brasil vai gastar 60% de um salário mínimo, em média, se comprar o básico. Poder de compra. Aqui a pessoa que ganha menos pode mais. Simples.

Eu falo mais sobre isso nesse post AQUI.

Cultura e amigos

Com uma comunidade brasileira bem grande e crescendo é bem natural que o seu circulo de amizade por aqui termine incluindo diversos conterrâneos. Em Braga, onde somos cerca de 40 mil, é impossível dar uma topada e não cair em cima de um brasileiro. Temos mercados brasileiros, lanchonetes brasileiras, temos até bolo de rolo e açougues brasileiros. É impossível não ouvir música brasileira nas rádios e tem evento brasileiros o tempo todo. Tá, você irá precisar aprender a comprar carne novamente (os cortes são todos diferentes), abandonar hábitos como o do Happy Hour e coisas do tipo, mas no geral o impacto será bem menor do que imagina. Sim, com o tempo irá fazer alguns amigos portugueses, principalmente no trabalho, e irá se adaptar aos custumes deles como usar “foda-se” para pontuar o fim da frase, dizerem que seu rabo está sujo ou simplesmente serem brutalmente francos quando perguntados se querem ir a sua casa.

Em resumo, imigrar não é fácil ou simples, mas Portugal torna tudo realmente mais fácil. Talvez não haja, no mundo, lugar onde a adaptação de um brasileiro seja mais fácil que aqui.

E aí, animou?

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